As crianças são as vítimas silenciosas de todas as guerras: em Gaza, na Ucrânia, no Sudão e no leste da República Democrática do Congo. De Bukavu, capital do Kivu do Sul, atualmente sob o controle do movimento rebelde M23 desde meados de fevereiro, recebemos um testemunho que reflete a dramática situação humanitária na região. Embora os rebeldes tenham anunciado a criação de uma administração para administrar os territórios conquistados, a situação no Kivu do Sul e do Norte continua precária, especialmente para os mais vulneráveis: mulheres, crianças e idosos. Publicamos o testemunho completo, omitindo o nome de quem o compartilhou por razões de segurança.
A Irmã Charline me recebe na enfermaria do Hospital Geral de Bukavu, onde, juntamente com a Irmã Marie-Jeanne, coordena o acolhimento e o cuidado de crianças desnutridas. “Antes da guerra, eram cerca de 40, agora são 84; há até três por leito”, conta ela, enquanto me convida para os amplos quartos. Em um deles, uma mãe veste sua filha de oito anos: ela está prestes a voltar para casa. Ela está muito magra, mas já passou da fase crítica. A menina se despede com um sorriso. Os casos mais graves estão na unidade de terapia intensiva, incluindo o de um bebê abandonado no hospital pela mãe, vindo de uma zona de combate. Uma enfermeira cuida dele com carinho.
A guerra tornou impossível o cultivo, a colheita e o comércio… e isso, somado aos saques, causou fome. “Quando temos comida suficiente e adequada, eles se recuperam em duas semanas; caso contrário, leva até dois meses… ou morrem. Tentamos mandá-los para casa o mais rápido possível para dar lugar a outros, mas às vezes as mães nos dizem que vão ficar sem comida lá novamente… Eu lhes dou um pouco de farinha; não posso fazer mais”, acrescenta a Irmã Charline, desolada.
Natalie, em seu centro em Ek’Abana, acolhe crianças acusadas de bruxaria, mas também, desde o início da guerra, crianças confiadas a ela pela Cruz Vermelha enquanto aguardam o reencontro com suas famílias. São cerca de 25 no total. “Os casos de meninas acusadas de bruxaria estão aumentando”, diz Natalie. Três chegaram esta semana. Com os pais mortos ou ausentes, as meninas moravam com os avós ou outros parentes.
A psicóloga explica: o estresse destes tempos, a sucessão de doenças, mortes, perdas de emprego e outros problemas, leva as pessoas a buscar respostas em salas de oração, onde pastores irresponsáveis apontam os mais vulneráveis como a causa de seus males. A menina é culpada e marginalizada. Às vezes, são as comunidades de base que as acompanham até o centro para salvá-las. E o estresse das crianças que se encolhem a qualquer barulho? Dos abortos causados pelo susto dos tiros? Da violência que as crianças testemunham nas mãos dos ocupantes, dos bandidos, da própria população quando, exasperadas, atacam o suposto ladrão até matá-lo? Da evasão escolar após fugirem com suas famílias? Da humilhação de serem expulsas da escola porque os pais não conseguem mais pagar as mensalidades trimestrais? Da escassez de alimentos diários? Quando eu voltava, uma criança me pediu para comprar para ela uma panqueca, que é vendida barata na rua. “Com quem você mora?” “Com a minha avó.” Diante da crise, superei minha relutância: “Leve dois, um para a vovó”. “Depois compro farinha”, respondeu ele. “Não foi por capricho. Tudo isso se soma à contagem de crianças mortas diretamente por bombas e violência. São vítimas silenciosas, como as de Gaza, que pagam o preço de uma dívida que é toda nossa.”
Fonte: Agenzia Fides